O
cabralismo e o regresso da Carta Constitucional
Em
fevereiro de 1842, o ministro da Justiça e homem forte do regime, Costa-Cabral,
através de um golpe de Estado, põe fim ao regime e à Constituição de 1838. À
nova realidade política, caracterizada por um exercício autoritário do poder,
pela restauração da vigência da Carta Constitucional e pelo regresso ao poder
da alta burguesia, tudo sob a bandeira da ordem, da disciplina e do progresso
económico, dá-se o nome de Cabralismo.
Costa
Cabral apostou no fomento industrial, na construção de obras públicas e na
reforma administrativa e fiscal do país. É por esta altura que é criado o
Tribunal de Contas (1849), para fiscalizar todas as despesas do Estado;
reforma-se o setor da saúde, proibindo-se os enterramentos nas igrejas (1846).
Mas a sua
política autoritária e repressiva (ditatorial) conduziu o país a uma nova e
violenta guerra civil desencadeada por gigantescos levantamentos populares,
semelhantes aos do Antigo Regime, motivados pelas más condições de vida e pelo
descontentamento em relação ao governo, face à subida de preços, à baixa de
salários e ao agravamento da carga fiscal. Sem qualquer ideologia política
subjacente, estes levantamentos alastraram a todo o país e foram aproveitados
pelas forças da oposição (miguelistas, setembristas e cartistas!).
As
duas fases da guerra civil
Em abril e
maio de 1846, revolta da Maria da Fonte, foi uma reação popular explosiva
às Leis da Saúde, às Leis das Estradas, assim como os procedimentos
burocráticos que passaram a envolver a cobrança de impostos (as “papeletas da
ladroeira”, como o povo lhes chamava).
A segunda
fase, a chamada “Patuleia”, decorreu de outubro de 1846 a junho de 1847. Iniciada
no Porto, alastrou a Aveiro, Coimbra, Santarém e Algarve, tendo como pretexto o
não cumprimento das promessas feitas pela rainha, nomeadamente a da realização
de eleições por sufrágio direto para a Câmara dos Deputados.
A deposição
de D. Maria II esteve na mira dos revoltosos e os mais exaltados chegaram a
ventilar a hipótese de uma República para solucionar a crise!
A gravidade
da situação levou o Governo de Lisboa a solicitar a intervenção da Espanha e da
Inglaterra, ao abrigo da Quádrupla
Aliança de 1834. Goradas as tentativas de acordo politico, a intervenção
estrangeira ditou os termos da Convenção
de Gramido, garantido uma amnistia geral e prevendo a nomeação de um
governo em que não figurassem representantes dos partidos em luta.
A força
política do setembrismo estava definitivamente liquidada. Em 1849, Costa Cabral
regressou à gerência política e, apesar de este seu governo se revestir de um
cariz mais moderado, não logrou conciliar as forças políticas em digladiação
constante, nem estabilizar a vida nacional.
Os
direitos naturais e os direitos do cidadão
Após a vaga de revoluções da primeira metade
do século XIX, assiste-se, em todo o Ocidente, à implantação de um novo
sistema de organização política, económica e social – o Liberalismo.
Na base
deste novo sistema, estava a ideologia liberal, de raiz iluminista, que assentava no respeito
pelos direitos naturais – liberdade, igualdade, propriedade - , invioláveis e imprescritíveis, já
que derivados da condição humana.
Além dos
direitos naturais, existiam também os direitos do cidadão. Enquanto no Antigo
Regime existam apenas súbditos, desiguais em direitos e submetidos à autoridade
do monarca, no liberalismo já só existem cidadãos, a quem compete intervir ativamente
na vida politica. Como? Em que condição? Como eleitos (escolhendo os seus representantes), como
detentores de cargos públicos (governando, administrando, legislando),
militando em clubes políticos, assistindo a sessões parlamentares, apresentando
petições, interpelando os deputados, escrevendo artigos na imprensa periódica,
procurando condicionar as decisões dos Estados.
Mas esta
“possibilidade” de participação politica teve os seus limites. O liberalismo da
primeira metade do seculo XIX colocou sérias restrições ao pleno exercício da
cidadania, já que acreditava que a capacidade política de cada um estava
intrinsecamente ligada à sua fortuna. Presumia-se que os eleitores com maior
independência económica seriam também aqueles que, à partida, usufruiriam de
melhores oportunidades para se “esclarecerem” e instruírem, logo, de serem os
mais habilitados a emitirem as opiniões mais bem fundamentadas, e, a intervirem
mais cabalmente.
Por isso,
mos países onde o liberalismo triunfou na primeira metade do século XIX, coube
a uma minoria – à burguesia, classe rica e instruída - , o exclusivo da
iniciativa e da participação política. Através do censo (imposto sobre a
propriedade) e do sufrágio censitário e indireto, reservou para si o poder
político e controlou o acesso às funções de governo.
Foi a época
do liberalismo moderado, regime protetor da ordem social burguesa, que negou à
igualdade e à propriedade a qualidade de direitos naturais, e que propunha a
monarquia constitucional como solução de compromisso entre a tradição monárquica
e a soberania popular.
Conclusão: Para o liberalismo moderado,
soberania nacional jamais se confundia com soberania popular, pelo que
liberalismo e democracia nunca foram sinónimos. As monarquias constitucionais
do século XIX ainda estavam longe dos ideias democráticos do período
revolucionário.
O
liberalismo político
Para os
liberais, a principal função das instituições políticas devia ser a de assegurar
o respeito pelos direitos individuais. Achava-se que o Estado
devia assumir-se como o supremo garante das liberdades do individuo, assegurando a manutenção da ordem
e vigiando o escrupuloso cumprimento da lei – Estado-polícia.
Nesse
sentido, o liberalismo socorreu-se de uma variedade de fórmulas, a principal
das quais foi a redação de textos constitucionais nos quais se consagrava o princípio
da separação de poderes e a soberania nacional (a soberania reside na Nação e é delegada através
de eleições).
Contudo, a nação
soberana nunca exerceu o poder de forma direta. Confiou-o, antes, a uma representação
dos mais inteligentes, geralmente identificados com os possuidores de um maior
grau de fortuna. Era aos cidadãos mais abastados que estava reservado o direito
exclusivo de eleger e ser eleito.
A
secularização das instituições
Para os
liberais, o Estado, além de neutro, devia ser laico. Mesmo não sendo
inimigo da religião, deveria separar radicalmente a esfera temporal da
espiritual. Por outro lado, a religião devia ser sempre fruto de uma opção
pessoal, nunca uma imposição do Estado.
Ao
defenderem a liberdade religiosa e a laicização do Estado, os liberais levaram a cabo um
conjunto de reformas legislativas que tinham por objetivo último a secularização das instituições, e a emancipação do individuo e do Estado da tutela
da Igreja. Nesse sentido:
·
Institui-se o registo civil, até aí confinado à competência exclusiva da
Igreja
·
Criou-se uma rede de assistência e uma rede de ensino absolutamente laicas,
após a extinção das ordens religiosas e o consequente encerramento dos seus
hospícios e escolas; as escolas públicas tornam-se espaços de divulgação de
virtudes cívicas como a fraternidade, o patriotismo e a tolerância, em
contraponto à fé, à subserviência e à caridade cristãs, pregadas pelos párocos.
·
Debilitou-se o poder da Igreja, com a expropriação do seu património.
·
Retiraram-se ao clero privilégios judiciais e fiscais (além do direito de
voto que não se lhes reconheceu), convertendo os seus membros em vulgares
funcionários do Estado, assim subalternizando a Igreja em relação ao poder
político.
Esta
retirada de poder à Igreja foi acompanhada de uma certa descristianização de
costumes, a par de algum anticlericalismo, mais tarde consumados nas leis de
separação do Estado e da Igreja.
O
Liberalismo económico: o direito à propriedade e à livre iniciativa
A nível
económico, os liberais defendiam a liberdade de iniciativa individual, a não
intervenção do Estado na economia e o direito à propriedade, como um direito inviolável e um
dos pilares do liberalismo. A propriedade era a base de toda a riqueza e o
garante da própria liberdade, proporcionando os seus rendimentos acesso à
instrução e conferindo o pagamento do respetivo censo direito a uma
participação política ativa; era condição prévia à condição de cidadão. Na base
desta teoria económica estiveram os fisiocratas mas, sobretudo, Adam Smith.
Adam Smith: O principal precursor do liberalismo económico
foi Adam Smith, para quem a verdadeira fonte de riqueza era o trabalho. Para
ele, a riqueza de um Estado dependia da existência do direito individual à
propriedade e à busca da fortuna, identificando a vantagem pessoal com o
interesse da coletividade: “Quem trabalha para si acaba por servir a
comunidade de forma mais eficaz do que se trabalhasse para o interesse comum”.
Só a livre
iniciativa na busca
da riqueza conduziria ao trabalho produtivo, ao aforro, à acumulação de capital e ao investimento, em suma, ao progresso económico.
Por isso, Adam Smith preconizava a livre concorrência, a liberdade económica e o fim dos monopólios. Para ele a ordem
económica era uma ordem natural, que se estabelecia e regulava a si própria, der acordo
com o jogo da oferta e da procura. Somente as leis do mercado trariam equilíbrio à relação produção-consumo.
Mas para
isso era necessário que o Estado abdicasse de toda e qualquer regulação
económica, como até
aí tinha feito, por exemplo, impondo limites à produção, lançando impostos,
taxando e tabelando preços e salários, controlando as relações laborais,
impondo portagens. O Estado devia apenas fazer reinar a ordem, respeitar a
justiça e proteger a propriedade.
O
liberalismo económico revelar-se-ia uma força vital para o desenvolvimento do
capitalismo industrial no seculo XIX.
Os
limites da universalidade dos direitos do Homem; a problemática da abolição da
escravatura
Os limites da universalidade dos direitos do Homem
Os liberais
sempre consideraram a liberdade, a igualdade e a propriedade direitos humanos
universais. Mas a realidade veio desmentir aquele principio, e a dita
universalidade acabou por ser uma ilusão, tanto pelos limites que conheceu como
pelo facto de o estado liberal nem sempre os ter assegurado.
Quanto à propriedade
Em primeiro
lugar, nunca a propriedade foi um direito natural. Com a compra dos terrenos
baldios e dos bens nacionalizados, a burguesia acabou por ser o único grupo a
beneficiar das transformações ocorridas na vida rural. À consolidação económica
da burguesia contrapôs-se a progressiva pauperização dos camponeses.
Quanto a igualdade
Também a
igualdade pouco mais foi que um principio teórico. A desigualdade económica fez
da política assunto de uma minoria abastada, por via do estabelecimento do
sufrágio censitário e da discriminação entre cidadãos ativos e passivos.
E, se alguns homens havia a quem, pelo menos, eram reconhecidos direitos civis, as mulheres ficaram totalmente privadas de quaisquer atributos da cidadania.
E, se alguns homens havia a quem, pelo menos, eram reconhecidos direitos civis, as mulheres ficaram totalmente privadas de quaisquer atributos da cidadania.
Quanto à liberdade
O principio
mais sagrado da ideologia liberal, basta dizer que em seu nome os franceses se
envolveram numa política de conquistas territoriais, e, em pleno século XIX, o
tráfico de escravos se mantinha como pratica corrente, o que lançava a questão
da legitimidade ética e humanitária da escravatura
A
problematização da abolição da escravatura
Na frança Os primeiros debates em torno da escravatura tiveram
lugar na Assembleia Nacional Constituinte. Em maio de 1791, a Assembleia
Nacional Constituinte estendeu os direitos civis a todos os homens de cor; no
mesmo ano decretou o fim da escravatura na metrópole. Nas colonias, contudo, a
escravatura mantinha-se, o que violava o art. 1º da Declaração dos Direitos do
Homem e do Cidadão. O debate entre abolicionistas e não abolicionistas,
entretanto, sobe de tom, mas a luta contra a escravatura só teve resultados
durante a Convenção. Em 4 de fevereiro de 1794, a escravatura era abolida em
todas as colonias francesas. Em 1802, contudo, sob o consulado de Napoleão, e
sob pressão dos grandes proprietários, é restabelecida a escravatura e o
tráfico nas colonias. Só após a Revolução de fevereiro de 1848, aquela seria
definitivamente erradicada.
Nos EUA O principio da igualdade, inscrito na Declaração da
Independência de 1776, conviveu paradoxalmente, durante quase um século, com a
escravatura dos negros, uma vez que a Constituição, permitindo a sua
existência, deixava ao critério de cada Estado a sua abolição. Em meados do
século XIX, o confronto entre abolicionistas e esclavagistas intensificou-se, quando o Congresso declarou a intenção
de proibir a escravatura nos territórios do Sul entretanto anexados, e onde a
cultura do algodão e do tabaco assentava na exploração da mão de obra escrava.
A politica abolicionista do Congresso era sobretudo apoiada pelos estados do
Norte. O antagonismo tornou-se insolúvel em 1860, quando Abraham Lincoln foi
eleito presidente. A sua politica anti-esclavagista levou 11 estados sulistas a
desligarem-se do governo da União e a formarem entre si uma Confederação. O
resultado foi uma longa guerra entre o Norte e o Sul – a Guerra da Secessão
(1861-1865). A vitória do Norte trouxe consigo a vitória dos direitos humanos.
O abolicionismo ficou consagrado em 1865, quando a 13ª Emenda à Constituição
pôs termo à escravatura em qualquer lugar dos EUA. Em 1869, a 15ª Emenda veio
reconhecer direitos políticos aos negros. Contudo, ate aos anos 60 do seculo
XX, mantiveram-se nos estados do sul situações de segregação social.
Em Portugal No nosso país, a problemática da abolição da
escravatura gravitou em torno da questão da proibição do tráfico negreiro.
Foram razões económicas, as que levaram o visconde de Sá da Bandeira, chefe do
governo setembrista, a decretar, em dezembro de 36, a proibição do tráfico de
escravos nas colonias portuguesas a sul do Equador. Face à independência do
Brasil, Sá da Bandeira pressentiu a urgência de desenvolver os territórios
africanos, onde a retenção da mao de obra negra seria crucial ao fomento das
atividades produtivas. Embora os traficantes continuassem a demandar as
colonias portuguesas, uma serie de decretos consumou nas décadas seguintes o
abolicionismo em Portugal. Em 1869, D. Luís assinava o decreto que abolia a
escravidão em todo o território português.
Conclusão: Apesar de despertadas
as consciências para este problema, a verdade é que a abolição da escravatura encontrou grande resistência
no terreno, sobretudo quando da sua aplicação resultava a lesão de interesses
económicos. Mas a utilização de escravos não podia deixar de ser vista, na nova
sociedade industrial, como um anacronismo, já que o moderno modo de produção
assentava no trabalho assalariado e no consumo em grande escala, algo
incompatível com a escravatura.
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